quarta-feira, 19 de março de 2014

A questão da legitimidade

Tenho dito que os ateus, bem ou mal, são um único corpo. No caso dos criacionistas falta um acordo. Quem representa quem e qual a divindade que vale?

Enquanto os teístas não chegarem a um acordo, acerca do que vale, como discutir com os ateus que já possuem um plano e não estão divididos?

1. Os ateus acreditam na inexistência de divindades;

2. Os teístas acreditam na existência de divindades.

Qual a divindade verdadeira?

Não seria correto que os criacionistas resolvessem "a lição de casa" antes de dialogar com os ateus?

O ateu deveria sempre perguntar para um criacionista: em que lugar guardou a procuração outorgada pelas outras religiões? Está falando em nome de todas? Ou representa apenas uma parte dos que creem?

Nem deveria haver debate.

Enéias Teles Borges

domingo, 9 de fevereiro de 2014

Teísmo e Não-Teísmo

“A diferença entre teísmo e não-teísmo, não é sobre acreditar ou não acreditar em deus. É uma questão que se aplica a todo mundo, incluindo budistas e não-budistas. Teísmo é uma convicção, profundamente enraizada, de que existe uma mão pra segurarmos. Se nós fizermos as coisas certas, alguém vai nos apreciar e cuidar. Isso significa pensar que sempre vai haver uma babá disponível quando precisarmos. Todos nós somos inclinados a abdicar de nossas responsabilidades e dedicar nossa autoridade a algo fora de nós mesmos.

Não-teísmo é relaxar dentro da ambigüidade e incerteza do momento presente, sem tentar alcançar nada que possa nos proteger. Às vezes pensamos que Dharma é algo fora de nós. Algo para se acreditar, algo para se medir. No entanto, Dharma não é uma crença, não é um dogma. É uma total apreciação da impermanência e da mudança. Os ensinamentos se desintegram quando tentamos agarrá-los. Temos que experimentá-los sem esperança. Muitas pessoas corajosas e compassivas os experimentaram e os ensinaram. A mensagem é: “Sem medo”. Dharma nunca significou uma crença que nós seguimos cegamente. O Dharma não nos dá nada, mesmo, para segurarmos.

Não-teísmo é finalmente perceber que não há uma babá com que você possa contar. Você acaba de conseguir uma boa e logo ela (ou ele) se foi. Não-teísmo é perceber que não apenas babás vêm e vão, mas toda a vida é assim. Essa é a verdade, e a verdade é inconveniente. Para aqueles que querem algo pra segurar, a vida é ainda mais inconveniente. Desse ponto de vista, teísmo é um vício. Somos todos viciados em esperança. Esperança de que a dúvida e o mistério irão desaparecer. Esse vício tem um efeito doloroso na sociedade. Uma sociedade baseada em montes de pessoas viciadas em conseguir terra firme para pisar não é um lugar muito compassivo.

A primeira Nobre Verdade do Buda é que, quando sentimos sofrimento, não significa que alguma coisa está errada. Que alívio! Finalmente alguém disse a verdade! Sofrimento é parte da vida e nós não precisamos achar que ele está acontecendo porque nós, pessoalmente, fizemos a escolha errada. No entanto, na verdade quando sentimos o sofrimento, acabamos achando que algo está errado. Como estamos viciados em esperança, sentimos que podemos abafar nossas experiências, ou avivá-las, ou modificá-las de alguma forma. E continuamos sofrendo muito.

No mundo da esperança e do medo, nós sempre temos que trocar de canal, trocar a temperatura, trocar de música. Porque algo está ficando desconfortável, algo está ficando impaciente, algo está começando a doer. E nós continuamos buscando alternativas. Em um estado mental não-teísta, abandonar a esperança é uma afirmação. O começo do começo.

Esperança e medo vêm da sensação de que nos falta algo. Eles vêm de uma sensação de pobreza. Nós não conseguimos simplesmente relaxar em nós mesmos. Nós nos agarramos à esperança. E a esperança nos rouba o momento presente. Sentimos que alguém sabe o que está acontecendo, mas que há algo faltando em nós, algo está em falta no nosso mundo.

Em vez de deixar a negatividade tirar o melhor de nós, podemos reconhecer que agora mesmo nos sentimos mal. Essa é uma coisa compassiva a se fazer. Essa é a atitude corajosa a tomar. Podemos cheirar o mal que nos sentimos, podemos sentir! Qual é a textura, a cor e a forma? Podemos explorar a natureza do sentimento. Podemos conhecer a natureza do desgosto, vergonha, e não acreditar que há algo errado nisso. Podemos abandonar a esperança fundamental de que existe um eu melhor, que um dia vai emergir. Nós não podemos simplesmente pular por cima de nós mesmos, como se não estivéssemos lá. É melhor dar uma olhada direta em nossas esperanças e medos. Então, uma espécie de confiança, nossa sanidade básica, surge.

É aí que entra a renúncia. Renúncia da esperança de que nossas experiências podem ser diferentes. Renúncia da esperança de que nós podemos ser melhores. As regras monásticas budistas que recomendam renunciar ao álcool, renunciar ao sexo e assim por diante, não estão indicando que essas coisas são inerentemente más ou imorais. Mas que nós as usamos como baby-sitters. Nós as usamos como um caminho para escapar. Nós as usamos para tentar obter conforto e para nos distrair.

Na verdade, o que renunciamos é à esperança tenaz de que podemos ser salvos de quem somos. Renúncia é um ensinamento que nos inspira a investigar o que está acontecendo cada vez que nos agarramos a alguma coisa porque nós não conseguimos aguentar e encarar o que está por vir.

Se a esperança e o medo são dois lados da mesma moeda, então a desesperança e a coragem também são. Se desejarmos abandonar a esperança para que a insegurança e a dor sejam exterminadas, então podemos conseguir a coragem para relaxar na falta de chão firme de nossa situação. Esse é o primeiro passo no Caminho.

(…)

Sem-esperança é o terreno básico. De outra forma estaremos fazendo essa jornada na esperança de obter segurança. Se fizermos a jornada para obter segurança, estaremos nos perdendo completamente da meta.

Nós podemos fazer nossas práticas de meditação com o objetivo de obter segurança; nós podemos estudar os ensinamentos com o objetivo de obter segurança; nós podemos seguir todas as diretrizes e instruções com o objetivo de obter segurança; mas isso só vai nos conduzir à decepção e à dor. Podemos poupar muito tempo a nós mesmos levando esta mensagem muito a sério agora mesmo: comece a jornada sem esperança de obter um chão firme onde pisar. Comece sem-esperança.

Toda ansiedade, toda insatisfação, todas as razões para esperar que noss

Somos criados em uma cultura que teme a morte e a esconde de nós. No entanto, nós a experimentamos o tempo todo! Nós a experimentamos na forma de decepção, na forma de coisas que não funcionam. Nós a experimentamos na forma de coisas constantemente em um processo de mudança. Quando o dia acaba, quando o segundo acaba, quando respiramos, essa é a morte na vida diária. A morte na vida diária também pode ser definida como a experiência de todas as coisas que não queremos: nosso casamento não está funcionando, nosso trabalho não está satisfatório.

Ter uma relação com a morte na vida diária significa que nós começamos a ser capazes de esperar, a relaxar na insegurança, no pânico, na vergonha, nas coisas que não estão funcionando. Conforme os anos passam, nós não chamamos as babás tão rapidamente. A morte e a não-esperança dão a motivação adequada. Motivação adequada para viver uma vida contemplativa e compassiva. Mas a maior parte do tempo, evitar a morte é nossa maior motivação. Nós tendemos a evitar qualquer sensação de problema. Nós sempre tentamos negar que é uma ocorrência natural que as coisas mudam. Que a areia está escorrendo entre nossos dedos. O tempo está passando. Isso é tão natural quanto a mudança das estações, e o dia se transformando em noite. Mas ficarmos velhos, ficarmos doentes, perdermos o que amamos, nós não vemos esses eventos como ocorrências naturais. Nós queremos evitar essa sensação de morte, não importa como.

Relaxar no momento atual, relaxar na falta de esperança, relaxar na morte, não resistindo ao fato de que as coisas acabam, as coisas passam, de que as coisas não têm uma substância duradoura e que tudo está mudando o tempo todo. Essa é a mensagem básica.

Pema Chodron

domingo, 24 de novembro de 2013

Teoria da Terra

TEORIA DA TERRA

James Hutton

(Edimburgo, 1726 – 1797)

Geólogo escocês, fundador da moderna concepção da evolução gradual da crosta terrestre. Inicialmente estudou nas universidades de Edimburgo, Paris e Leiden, formando-se em Medicina. Trabalhou como químico agrícola e montou uma fábrica de cloreto de amônia cuja renda lhe proporcionou tranquilidade financeira para dedicar-se à investigação de seu maior interesse: a formação do planeta Terra. Rejeitou a teoria do catastrofismo, muito popular em seu tempo, segundo a qual o planeta teria sofrido transformações drásticas e não graduais. Os catastrofistas acreditavam que somente um evento cataclísmico de grandes proporções poderia alterar a formação da Terra, mas Hutton formulou o princípio da uniformidade, de acordo com o qual as forças que atuam hoje sobre o planeta (como o vulcanismo e a erosão) sempre atuaram de uma mesma maneira, numa mesma média de frequência, velocidade e ritmo durante longos períodos de tempo. Isso contrariava os conservadores, que postulavam a idade da Terra em torno de 6 mil anos, de acordo com os relatos bíblicos, e por esse motivo Hutton foi combatido por alguns de seus contemporâneos. Hoje conhecido como o Pai da Geologia, reuniu suas ideias no livro Teoria da Terra, publicado em 1785.

• Hutton viveu num tempo em que a Revolução Francesa estava em seu auge. A Inglaterra sofria fortes reações conservadoras, e qualquer ideia nova parecia perigosa. Por isso, sua obra principal só foi reconhecida e popularizada meio século depois de sua morte.

Fonte: Perce Polegatto

quarta-feira, 25 de setembro de 2013

Quando a religião precisa ser repensada




REFLETINDO SOBRE O FLORESCIMENTO DA LAICIDADE ESPONTÂNEA

Octavio da Cunha Botelho
            
A Era Contemporânea tem experimentado um crescimento do secularismo sem precedente na história, de tal maneira que os povos antigos certamente não acreditariam que, um dia, tamanha laicidade florescesse. No passado, diferente de hoje, quando a população era educada para abraçar a religião, bem como, ao se desencantar ou desacreditar de uma tradição religiosa, a opção era sempre se converter para outra ou, quando um povo era invadido, o mesmo era forçado a aceitar a religião do dominante, de modo que a população nunca voltava as costas para a religiosidade. A opção laica era apenas a decisão de tão poucos indivíduos que nem sequer eram bem notados, em meio à grande maioria religiosa, e quando eram percebidos, os ateus eram discriminados e estigmatizados como cruéis e imorais.

O fenômeno acelerou, sobretudo, a partir do início do século XX, para enfim encontrar, no seu fim e no início do século XXI, algumas sociedades até ameaçadas de se tornarem totalmente seculares, em vista do crescente aumento de ateus nas últimas décadas. Porém, a peculiaridade desta recente modalidade de secularismo é seu caráter espontâneo. À medida que o século XX avançava e o mundo assistia a conversão de muitas nações ao Comunismo, ao ponto de se formarem grandes blocos, tais como a União Soviética e a Yugoslávia, as primeiras sociedades com ideologia ateísta na história, bem como as revoluções comunistas na China e em Cuba, os acontecimentos conduziam para o sentido de que o Comunismo dominaria o mundo e que a religião estaria com os dias contados, uma vez que, para os seus adeptos, “numa sociedade comunista, a religião não tem utilidade”. Alguns pensavam que o Comunismo substituiria a religião. Ou, como proclamavam alguns marxistas da época: “o comunismo é o verdadeiro cristianismo”. Até hoje ainda é possível encontrar autores que entendem que o Comunismo é uma forma de religião.

Por outro lado, os cristãos se horrorizavam com a expansão do Comunismo pelo mundo, bem como, ao mesmo tempo, lhe dirigiam ferozes críticas, prevendo trágicos desfechos para os seus objetivos e anunciando o seu fim. No desespero para conter a sua influência, os padres fizeram de tudo, até inventaram e alardearam os tais Três Segredos de Fátima, cujo segundo segredo profetizava o arrependimento da Rússia e seu futuro retorno ao Cristianismo. Estes segredos foram revelados durante as supostas aparições da Virgem Maria para três crianças (Lúcia, Francisco e Jacinta), nos arredores da cidade de Fátima, Portugal, em 1917. O terceiro segredo, o qual ficou guardado com Lúcia por muitos anos, só foi revelado no ano 2000, pelo papa João Paulo II e trata do problema do ateísmo no mundo. Bem, o Comunismo acabou e a Rússia se transformou em um país democrático com liberdade religiosa, até os Hare Krishnas se infiltraram lá. No entanto, após a queda, a população russa parece que não sentiu saudades do Cristianismo, pois recente pesquisa do Instituto Gallup revelou que apenas 33% dos russos consideram a religião importante em suas vidas. Enfim, a Rússia abandonou o Comunismo, mas não abraçou de volta o Cristianismo com tanto entusiasmo, ou seja, parece que muitos russos se sentiram bem com a ausência da fé cristã. Afinal, o segundo segredo de Fátima dizia que a Rússia iria se arrepender do Comunismo e se converter de volta ao Cristianismo, só que, até agora, a profecia não foi cabalmentecumprida. 

O Comunismo desmoronou e os cristãos não se cansaram de apontar o seu fracasso como um exemplo de que “nenhuma sociedade sobrevive sem deus”, o qual se transformou até em um refrão, de tanto ser repetido. Até hoje é possível encontrar autores cristãos apontando o exemplo, da primeira tentativa fracassada na história da construção de uma sociedade laica, como uma lição, para que não seja repetida.

Agora, o curioso é que, simultâneo a esta vanglória dos cristãos com o fracasso comunista, emergia paralelamente, na mesma época do colapso, no final dos anos 1980, um novo formato de laicidade, que sobrevive e cresce até hoje, ou seja, o secularismo nos países de melhor qualidade de vida no mundo. De caráter inédito, esta é uma laicidade que não foi formada a partir de uma ideologia formal ou da imposição de um regime político, mas sim se caracteriza pelo ímpeto espontâneo da população. Diferente do Comunismo, quando o secularismo era imposto pelo regime e pela ideologia, isto é, de fora e de cima, e levado a cabo através da doutrinação comunista, a laicidade espontânea, por sua vez, é resultado do contentamento da população com a sua qualidade de vida, ou seja, parte de dentro do indivíduo e é opcional. Atualmente, ela está presente e cresce nas sociedades que estão no topo do ranking do Índice de Desenvolvimento Humano (Suécia, Noruega, Dinamarca, Reino Unido, Austrália, Japão, Holanda, Canadá, etc.), daí o desinteresse natural pela religião.

Sendo assim, é curioso questionar porque os cristãos, que tanto se vangloriaram do fracasso comunista, com tantos discursos e escritos sobre o desmoronamento, bem como, antes disto, fizeram tantas previsões e alardearam a derrocada do ateísmo comunista, são agora tão silenciosos, em seus pronunciamentos, quanto a esta atual e florescente modalidade de laicidade: o secularismo dos países de melhor qualidade de vida. E quando, raramente tocam no assunto, tratam apenas do ateísmo em sociedades, com médio ou baixo desenvolvimento humano, que ainda precisam da religião, aí fica fácil explicar a sua utilidade. Por exemplo, confirmadamente, a Noruega é o país que se manteve mais vezes no topo do IDH nos últimos anos, por isso é definida por alguns observadores como o “paraíso na Terra”, a sua porcentagem atual de pessoa que declaram que a religião não tem importância em suas vidas é de 78% e vem crescendo nas últimas décadas, ou seja, uma sociedade que sente que, cada vez mais, precisa menos da religião. Por que os religiosos não comentam sobre esta experiência? Assim, o atual quadro global que mostra o crescimento do secularismo nos países de melhor qualidade de vida e, em contrapartida, o crescimento da religião nos países de pior qualidade de vida é um assunto que não está prioritariamente na pauta dos religiosos. Pois, é embaraçoso discutir o fato de que, nestes países, onde a vida é tão boa e feliz, a religião, ao invés de ser um consolo e uma esperança de felicidade, ao contrário, é um estorvo cultural e social. 

Então, será interessante refletir se esta florescente laicidade, nos países de maior desenvolvimento humano, é prova do fato de que, a partir do século passado, e mais acentuadamente no momento atual, o fator qualidade de vida será o termômetro que medirá a temperatura religiosa de uma sociedade, confirmando assim o fato de que a religião, na presença do alto desenvolvimento humano, é uma cultura viavelmente substituível. Em outras palavras, a religião não tem utilidade nas sociedades com alta qualidade de vida. Ademais, será que, mesmo com a piora na qualidade de vida de um ou alguns destes países que atualmente lideram o ranking, fato que poderá, no futuro, transformá-los em sociedades religiosas novamente, não fará que outros países se ergam, para então, se tornarem mais laicos, provando assim que não é o país, mas sim a qualidade de vida que determina o grau de religiosidade de uma nação. Enfim, o diagnóstico atual parece ser, quanto menos desenvolvimento humano, mais religião, quanto mais desenvolvimento humano, menos religião. Então, será que, finalmente, foi confirmada a causa da necessidade da religião? Interessante tema para se refletir.

Fonte: Observador Crítico das Religiões.

quinta-feira, 29 de março de 2012

Os Fundamentos do Ateísmo

 
André Cancian 

Por simples bom senso, não acredito em Deus; em nenhum. (Charles Chaplin)

Etimologicamente, a palavra ateu é formada pelo prefixo a — que denota ausência — e pelo radical grego theós — que significa Deus, divindade ou teísmo; ou seja, a palavra ateu pode significar sem deus ou sem teísmo. Como a imprecisão desse primeiro significado o torna impróprio para representar a noção de descrença ateística, usa-se como base a acepção teísmo, que significa crença na existência de algum tipo de deus ou deuses de natureza pessoal. Nesse caso, chegamos a uma definição mais coerente e clara de indivíduo ateu: aquele que não acredita na existência de qualquer deus ou deuses. Assim, quando queremos uma palavra que representa tal perspectiva, usamos o termo ateu ligado ao sufixo ismo, que, na língua portuguesa, é usado com o significado de doutrina, escola, teoria ou princípio artístico, filosófico, político ou religioso. Deste modo, chegamos a uma definição bastante nítida do que é ateísmo: estado de ausência de crença na existência de qualquer deus ou deuses.

É importante salientar que, comumente, a maioria dos ateus, quando se refere à sua posição, diz apenas que não acredita em deus/deuses. Isso não está incorreto, mas, na verdade, com isso quer dizer que não acredita na existência de deus/deuses. Afirmar apenas “não acredito em Deus” pode dar margem à interpretação errônea de que a pessoa em questão acredita em sua existência, mas é contra Deus, contra seus mandamentos, ou então que não lhe dá qualquer crédito, que o desacredita, o difama, fato este que, não raro, dá origem a vários preconceitos em relação à posição ateísta.

Esclarecido esse ponto, vejamos quais são os tipos de ateísmo existentes.

Há várias modalidades de ateísmo, as quais diferem fundamentalmente quanto à atitude do indivíduo para com a ideia de uma divindade. Vale lembrar que tais classificações são meramente didáticas, feitas apenas para delinear as circunstâncias mais comuns em que o ateísmo pode ser encontrado. As duas modalidades-tronco são: 1.0) ateísmo implícito; 2.0) ateísmo explícito. A primeira, filosoficamente, é pouco relevante, e subdivide-se em: 1.1) ateísmo natural; 1.2) ateísmo prático. A segunda subdivide-se em outras duas variedades que são comumente denominadas: 2.1) ateísmo negativo ou ateísmo cético; 2.2) ateísmo positivo ou ateísmo crítico.

1.0) O ateísmo implícito, como o próprio nome indica, é a variedade de ateísmo que existe tacitamente. Nesse caso, o ateísmo não se fundamenta na rejeição consciente e deliberada da ideia de deus, baseada em conceitos filosóficos e/ou científicos, mas simplesmente existe enquanto um estilo de vida que não leva em consideração a hipótese da existência de algum deus para se guiar. O ateísmo implícito pode ser dividido em ateísmo natural e ateísmo prático.

1.1) O ateísmo natural é o estado de ausência de crença devido à ignorância ou à incapacidade intelectual para posicionar-se ante a noção de existência de uma divindade. Nessa categoria entram todos os indivíduos que nunca tiveram contato com a ideia de um deus; por exemplo, alguma tribo, grupo ou povo que se encontre isolado da civilização e que seja alheio à ideia de um deus. Também se enquadram nessa categoria os indivíduos incapazes de conceber a ideia de um deus, seja isso por imaturidade intelectual ou por deficiências mentais; por exemplo, poderíamos citar crianças de pouca idade; pessoas que sofrem de alguma enfermidade mental incapacitante também se enquadram nessa categoria.

1.2) O ateísmo prático enquadra aqueles que tiveram contato com a ideia de deus, ou seja, que conhecem as teorias sobre as divindades, mas não tomam qualquer atitude no sentido de negá-la, rejeitá-la ou afirmá-la, permanecendo, deste modo, neutros sobre o assunto. Os integrantes dessa categoria comumente se classificam como agnósticos, isto é, aqueles que julgam impossível saber com certeza se há ou não uma divindade. Sob essa ótica, devido a essa impossibilidade, afirmam que seria inútil qualquer esforço intelectual no sentido de comprovar ou refutar a existência de um deus. Qualquer pessoa que tem conhecimento da existência das religiões e de suas teorias, mas vive sem se preocupar se há ou não algum deus, ou julga impossível sabê-lo com certeza, sem rejeitar ou afirmar explicitamente a ideia de deus, é classificada como pertencente ao ateísmo prático.

2.0) O ateísmo explícito é a rejeição consciente da ideia de deus. A causa dessa rejeição frequentemente é fruto de uma deliberação filosófica; contudo, não é possível fazer qualquer espécie de generalização quanto à causa específica da descrença, pois cada pessoa julga individualmente quais razões são válidas ou inválidas para corroborar ou refutar a ideia da existência de um deus. O ateísmo explícito pode ser dividido em duas outras categorias.

2.1) O ateísmo negativo ou cético é a descrença na existência de deus(es) devido à ausência de evidências em seu favor. Essa variedade também pode ser encontrada sob a denominação de posição cética padrão, pois reflete um dos axiomas mais fundamentais do pensamento cético, que é: não devemos aceitar uma proposição como verdadeira se não tivermos motivos para fazê-lo; ou, em sua versão lacônica: sem evidência, sem crença. O ateu dessa categoria limita-se a encontrar motivos para justificar sua rejeição da ideia de deus, por vezes esforçando-se em demonstrar por que as supostas provas da existência divina são inválidas, mas sem se preocupar com a negação da possibilidade da existência de um deus.

2.2) O ateísmo positivo ou crítico é a variedade mais difícil de ser defendida, pois é uma descrença que envolve a negação da possibilidade de existência de um deus. Os ateus dessa categoria tipicamente se intitulam racionalistas e seguem o princípio de que o ataque é a melhor defesa; ou seja, literalmente atacam a ideia de deus, evidenciando as contradições e as incongruências presentes nesse conceito, empenhando-se em demonstrar, através de argumentos racionais, por que a existência de um deus — como definido pelas religiões — é logicamente impossível.

À primeira vista, talvez pareça que tais definições são demasiado singelas para serem capazes de abarcar todas as possibilidades, mas não são. Isso porque a posição ateísta, em si mesma, não é positiva, não possui qualquer conteúdo, pois não representa algo, mas apenas a ausência de algo, inclusive no caso do ateísmo positivo; em suas categorias mais elaboradas, o ateísmo é uma ausência vinculada a uma rejeição ou a uma negação de algo largamente aceito, que, no caso, é o teísmo, em suas variadas formas.

Deste modo, a definição de ateísmo não subentende qualquer espécie de descrição prática do indivíduo. Nessa classificação, aquilo que os ateus fazem de suas vidas não é levado em consideração absolutamente. Ao contrário de outros ismos — como cristianismo, judaísmo, espiritismo, xintoísmo, hinduísmo, islamismo —, o ateísmo não é um estilo de vida nem uma doutrina dotada de um corpo de conhecimentos ou princípios, mas somente uma classificação acerca do posicionamento ou estado intelectual do indivíduo em relação à ideia de deus. Portanto, o ateísmo não possui natureza análoga às religiões teístas.

Uma vez que o ateísmo é apenas uma classificação — e não uma doutrina ou uma cosmovisão —, logicamente não incorpora qualquer espécie de valores, princípios morais ou noções de ética. É exatamente devido a esse fato que muitos indivíduos, inadvertidamente, classificam os ateus como imorais. Deve ficar claro, entretanto, que a ausência de um conjunto de valores morais, na verdade, refere-se somente ao ateísmo em si mesmo, de modo que, na prática, isso não implica qualquer incompatibilidade entre ambas as coisas.

Assim como os teístas, os ateístas possuem valores morais que norteiam suas ações. Não há quaisquer evidências empíricas para sustentar a acusação de imoralidade tão frequentemente lançada contra os descrentes. É claro que os ateus, como um todo, não compartilham um código moral único, não possuem uma moral baseada na autoridade de princípios ateísticos, que seriam absolutos ou superiores como os valores vinculados ao teísmo. Na realidade, os ateus escolhem individualmente — visando seus objetivos, suas necessidades — quais são os valores que melhor lhes servirão para guiar suas vidas em função do sentido que escolheram para elas; ou seja, o que não existe é uma moral ateísta no sentido em que falamos de uma moral cristã. Entretanto, há, por certo, ateístas morais, os quais se baseiam em fatores de natureza humana para fundamentar seus valores de modo racional; pois é claro que, sem um deus, tais fatores não poderiam ser absolutos ou transcendentais.

A grande frequência com que se tenta corroborar ou refutar o ateísmo através de julgamentos e valores morais apenas demonstra uma lamentável leviandade (ex: “ateus também fazem caridades” ou “muitos ateus são criminosos”). É claro que, se desejarem, alguns ateus podem ser bondosos, compassivos, solidários etc. Talvez devido ao fato de a maioria dos religiosos se identificar com esse tipo de moral sua típica ojeriza à palavra ateu possa ser um pouco amenizada; todavia, pretender que a bondade tenha, em si mesma, algum valor, que ofereça qualquer verossimilhança à posição, é, no mínimo, um absurdo. O mais “dogmático” dos ateísmos ainda não passa de uma mera negação (“Deus não existe”, afirmativamente). Sendo assim, assumir um posicionamento ateísta remete-nos a um plano muito mais fundamental, muito mais abrangente. Em outras palavras, além de ser independente da moral, o ateísmo a precede em profundidade filosófica; ou seja, na melhor das hipóteses, somente será possível deduzir, individualmente, valores a partir do ateísmo, mas nunca o ateísmo a partir dos valores. Daí a impossibilidade de a bondade, por exemplo, servir de respaldo a ele; e o mesmo vale para objeções ao ateísmo baseadas em delitos cometidos por indivíduos ateus.

Há também uma grande tendência de se querer vincular a responsabilidade das ações à visão de mundo do indivíduo, e tal tendência está ligada à ideia de que esta vem sempre carregada de valores e deveres; nesse caso, também vinculada ao mal-entendido de que o ateísmo é uma crença positiva. Por exemplo, se um cristão faz caridade em nome de Deus e usa a Bíblia para justificar tal feito, então se pode dizer que o cristianismo é, em certo grau, responsável por tal ação. Isso porque toda religião tem seus dogmas, suas verdades, seus princípios superiores, em suma, seu tu deves. Portanto, ela define o que é o bem e o que é o mal, o que é certo e o que é errado, e assim por diante.

Diferentemente, o ateísmo encontra-se alheio a todo esse rebuliço de valores que os humanos cultivam. Se um ateu faz algo bom ou mau, isso não se deve ao ateísmo, pois o ateísmo não diz coisa alguma a respeito do que devemos ou não fazer. O ateísmo não diz o que é o bem nem o que é o mal, muito menos o que é certo ou errado. Ele não arrasta consigo nenhuma espécie de valor, e é por isso que não se pode atribuir-lhe qualquer tipo de culpa ou responsabilidade. Tudo recai tão-somente sobre os ombros do arbítrio individual, não sendo possível qualquer espécie de generalização da causa de seu ato que venha a abarcar o ateísmo.

Por isso, todo ateu que defende valores morais específicos — mesmo se forem de benevolência e de caridade — sem deixar claro que isso não tem qualquer relação com sua descrença, estará, sem perceber, prestando um grande desserviço aos ateus. Talvez a intenção seja boa, isto é, pense que com isso está revertendo o estereótipo negativo que tipicamente se tem dos ateus — de que são todos pervertidos, frustrados, imorais, insensíveis, criminosos. O problema, naturalmente, reside no fato de que esse contra-ataque pressupõe a falsa ideia de que o ateísmo deve se defender de acusações morais, e isso só termina por gerar mais confusão ainda. A personalidade dos ateus não tem qualquer relação direta com o ateísmo. Todos esses estereótipos sociais sobre como os ateus são não passam de preconceito, fantasia, pois, como vimos, o ateísmo não é capaz de justificar nada disso.

O fato de algum ateu ser altruísta ou egoísta, bondoso ou maldoso, compassivo ou cruel é apenas reflexo de seu temperamento e dos valores adotados pelo indivíduo em particular. Não delinear essa distinção entre o ateísmo e a moral faz com que as pessoas pouco aprofundadas no assunto se acostumem a encarar os padrões comportamentais dos indivíduos descrentes como uma consequência de seu ateísmo; ou seja, do mesmo modo que os ateus caridosos darão uma boa imagem ao ateísmo, os ateus criminosos irão macular e infamar sua imagem. Além de isso dar luz a diversos e indesejáveis estereótipos, estes ainda ocultam a verdadeira face do ateísmo, a neutralidade.

Portanto, ateus não compartilham necessariamente qualquer similaridade, exceto a descrença, é claro.

Ateus podem ser bons ou maus, santos ou pervertidos, altruístas ou egoístas, individualistas ou coletivistas; podem ser democratas, socialistas, anarquistas ou monarquistas; podem ser filósofos, médicos, psicólogos, professores, eletricistas, lixeiros, escritores, comerciantes, alpinistas, atores ou qualquer outra coisa. O ateísmo, em si mesmo, é estritamente neutro, e, portanto, vazio de quaisquer implicações morais ou filosóficas. Ateísmo é apenas o nome que se dá ao estado de ausência de teísmo, ou seja, tão-somente a ausência de crença na existência de quaisquer deuses. Se pode ser dito que os ateus têm algo em comum, esse algo é exatamente o não-ter-nada-em-comum, pelo menos não necessariamente, como uma regra geral.

Todos os animais são ateus, e todas as pessoas, um dia, já foram ateias; sem exceção. Todos os bebês nascem sem discernimento suficiente para compreender a noção de deus. Como vimos acima, esse estado é enquadrado como uma categoria de ateísmo. É claro que não se trata de uma descrença deliberada, mas demonstra quão absurdo é tentar derivar qualquer espécie de consequência do fato de alguém ser ateu. Certamente os religiosos fervorosos objetarão essa ideia, dizendo que é injusto taxar qualquer pessoa incapaz de formar seu juízo a respeito do assunto como uma ateísta. Contudo, vejamos: injusto por quê? Há algo de errado em ser ateu? É sinal de perversão, de insanidade? É claro que não (talvez sim, mas apenas para alguns teístas intolerantes, que só gostam da lógica quando esta está em seu favor). Nesta situação, a palavra está descrevendo perfeitamente a perspectiva do indivíduo em relação à ideia da existência de divindades. Por exemplo, certamente ninguém levantaria objeções à pretensão de classificar um bebê como um indivíduo apolítico por ser incapaz de conceber o que é política e de posicionar-se em relação a ela; tampouco à ideia de que todos eles são analfabetos. Como se pode dizer, afirmou Richard Dawkins, que uma criança de quatro anos seja muçulmana, cristã, hindu ou judia? É possível falar de um economista de quatro anos de idade? O que você diria sobre um neoisolacionista de quatro anos ou um liberal republicano de quatro anos? A questão está na incoerência de imputar posições positivas a quem não pode responder por elas, sequer pode concebê-las. Em nossa sociedade, entretanto, a palavra ateu encontra-se tão carregada de preconceitos, tão estigmatizada, que chamar um indivíduo de ateu, longe de ser uma mera classificação neutra, na verdade aparenta ser uma espécie de insulto.

Objetivamente, percebemos que essa animosidade para com a definição apresentada de ateísmo natural, na realidade, não tem nada de razoável, impessoal ou desinteressado. O problema certamente não está na definição, mas nos preconceitos que são nutridos em relação à posição ateísta. O grau em que um indivíduo religioso se sente incomodado com a ideia de se chamar uma criança desinformada de ateia pode ser usado para medir o grau de preconceito e de intolerância que possui em relação ao ateísmo. Digam o que disserem, o ateísmo não é uma perversão, nem uma teimosia, nem uma insensibilidade, nem qualquer outra coisa senão a ausência de crença na existência de deus; o resto fica por conta dos preconceitos.

Entretanto, quando analisamos a perspectiva religiosa, torna-se compreensível que tais preconceitos existam. O fato de alguém rejeitar a verdade óbvia de que existe um criador, e declarar-se abertamente ateu, só pode significar que se trata de uma pessoa insensível, cínica, ressentida, frustrada com a vida e revoltada com Deus. Mas, logicamente, tal raciocínio é de todo unilateral. O problema não está nos ateus, mas no fato de que homens convictos são prisioneiros de seus pontos de vista. Quem jura lealdade absoluta a uma doutrina ou ponto de vista específico inevitavelmente fecha os olhos para todo o resto e, deste modo, a imparcialidade torna-se algo impossível. Homens comprometidos com um ponto de vista perdem sua liberdade de pensamento, tornam-se incapazes de enxergar a realidade senão através de uma ótica parcial e pessoal, e assim tudo passa a dividir-se em dois grupos: os que, como eles, sabem da verdade, e os outros, que estão todos errados e perdidos.

Sem dúvida, uma atitude lamentável, pois qualquer pessoa razoavelmente esclarecida sabe que o uso da convicção — ou da fé — como único critério da verdade fatalmente conduz a uma completa falta de imparcialidade que cega e tolhe a visão de mundo.

No que concerne à origem de tais preconceitos, é impossível saber exatamente o que acontece na mente religiosa, mas podemos lançar mão de uma analogia que parece ser bastante razoável para explicá-la. Digamos que, na perspectiva religiosa, um indivíduo declarar-se ateu talvez seja algo tão chocante quanto um filho querido e bem cuidado que afirma não amar seus pais. Algo como dizer:

Que importa se eles me amam? Que importa se eles me geraram, me alimentaram e me educaram? Fizeram-no porque quiseram; não obriguei ninguém a isso e, portanto, não devo gratidão alguma. 

Para a maioria das pessoas, certamente tal afirmação é chocante; vem à nossa mente a imediata impressão de que tal pessoa é insensível e cínica, sendo difícil imaginar que ela é feliz e mentalmente sadia. Mas, sem dúvida, temos de admitir que as palavras dessa pessoa fazem sentido, e são estritamente racionais. O fato é que nós todos temos preconceitos, e acharmos que todos devem amar cegamente seus pais apenas porque foram bondosos e cuidaram bem de nós é só mais um deles.

Provavelmente, isso está enraizado em instintos; mesmo assim, em nível objetivo, continua sendo um preconceito. Esse é um bom exemplo para demonstrar que as crenças arraigadas por motivos emocionais parecem possuir uma curiosa imunidade à crítica racional. Portanto, supondo-se que as crenças religiosas fundamentam-se em fatores emocionais, isso explicaria por que afirmar que “não amamos nosso criador” pode soar algo muito forte aos religiosos, desembocando fatalmente em preconceitos de todo tipo.

Percebendo que não podem estereotipar os ateus moralmente ou filosoficamente, os críticos do ateísmo partem para outra tática. Deslocam-se para o campo da prática e afirmam que a descrença é negativismo puro; que destrói, mas não reconstrói; que deixa um vazio na vida das pessoas; que é inútil. Mas essa argumentação é claramente tendenciosa, pois tenta depreciar a posição ateísta contrapondo-a de modo distorcido ao teísmo. Se o ateísmo não é um conjunto de valores, se não é uma explicação e nem um guia para a vida das pessoas, por que ele haveria de ser útil nesses aspectos? Não há o menor sentido em fazer tal comparação. O ateísmo não é uma alternativa para o teísmo e nunca pretendeu ser. Todavia, naturalmente, sem dogmas a serem seguidos, inevitavelmente recai sobre nossos próprios ombros a tarefa de escolher e julgar os valores, isto é, de nos posicionarmos individualmente frente ao mundo em que vivemos. Mas essa tarefa deve ser entendida em termos de liberdade de escolha, não de vazio existencial; tal liberdade pode gerar angústia, é claro, mas isso não vem ao caso neste ponto da argumentação. O ateísmo, ao contrário do que alguns fazem parecer, não é a maldição da vida sem sentido, mas a maldição de precisar escolher um sentido. Enfim, é difícil imaginar o que poderia haver de ruim e negativo no fato de que cada um é livre para criar suas próprias regras e perseguir seus próprios objetivos, em vez de ser obrigado a seguir as regras e os objetivos de outrem.

Outro equívoco comumente cometido por aqueles que se opõem ao ateísmo consiste em tratar tal posição como análoga ao teísmo, como uma “religião da descrença”; ou seja, julgam que os ateus, assim como os teístas, na realidade professam alguma espécie de crença dogmática na inexistência de deus(es). Partindo dessa premissa, concluem que o ateísmo não tem mais validade que qualquer crença religiosa, pois, assim como os teístas acreditam em Deus e são incapazes de provar sua existência, os ateus seriam descrentes igualmente incapazes de provar sua inexistência.

Pelo que vimos acima, tal objeção transborda uma tremenda incompreensão do que é ateísmo. Primeiramente, porque o ateísmo não é uma crença dogmática na inexistência de deus, mas somente a ausência de crença nesse tipo de entidade sobrenatural. Em segundo lugar, porque há uma regra lógica muito simples — e convenientemente ignorada pelos teístas — que diz o seguinte: não é razoável acreditar em algo sem ter motivos para fazê-lo. Qualquer indivíduo sensato há de convir que a atitude de não acreditar em algo — por não haver evidências convincentes em seu favor — não é uma crença, e tampouco precisa se sustentar em provas.

Além disso, provar negações universais, por motivos lógicos, é algo extremamente difícil, e alegremente certos teístas usam isso para afirmar que ninguém é capaz de provar a inexistência de Deus. À primeira vista, isso parece razoável, e seria suficiente para empatar os placares. Mas, com um pouco de pensamento crítico, logo se percebe a incoerência: não podemos provar a inexistência de praticamente qualquer coisa. Para deixar a ideia clara, só precisamos de algum tempo livre para dar asas à nossa imaginação. Por exemplo, formulemos algumas hipóteses bizarras:

1) Nosso universo, na verdade, é um aquário espacial feito por alienígenas que estão brincando de cultivar seres humanos.

2) Existem cogumelos imateriais que vivem numa dimensão paralela, os quais estão nos vigiando constantemente, apesar de não podermos detectá-los.

3) A verdadeira divindade, que criou o mundo e os homens, é Zeus, com a ajuda de Apolo e Dionísio. Eles e inumeráveis outros deuses estão todos no Olimpo nos observando.

4) O planeta em que vivemos é um elétron; o Sol é um conjunto de prótons e nêutrons; nosso sistema planetário como um todo é um átomo de flúor gigantesco. Os físicos modernos discordam de tal afirmação, mas isso acontece porque o homem ainda não possui tecnologia suficiente para observar e analisar a realidade de modo preciso.

5) O universo só parece mecânico e impessoal; na verdade, o mundo em que vivemos é autoconsciente.

6) Há uma civilização pacífica que habita o núcleo do Sol; ela se protege do calor através de um sistema hipertecnológico que nos é inconcebível; nela vivem milhões de unicórnios, centauros e minotauros em um grau de desenvolvimento muito superior ao nosso.

7) Há um grande dragão alado vermelho cuspidor de fogo em meu quarto; contudo, toda vez que alguém tenta observar ou confirmar sua existência, este desaparece imediatamente de modo misterioso.

Então perguntemos: como alguém seria capaz de refutar tais hipóteses? Não temos qualquer motivo para julgá-las verdadeiras, mas, mesmo assim, não temos como provar que são definitivamente falsas. É esse o problema das negações universais.

Por exemplo, no caso da sexta hipótese, o único modo de provar que tais seres não existem seria ir até o núcleo do Sol e olhar se estão lá ou não, mas isso não é realmente uma boa ideia, pois frequentar locais que estão a milhões de graus Celsius é relativamente perigoso. Isso significa que não podemos provar a inexistência dessa tal civilização helionuclear. Entretanto, faz algum sentido declarar que essa impossibilidade serve como uma evidência de sua existência? Definitivamente, não. Ademais, o fato de alguém acreditar piamente em tal hipótese é irrelevante à sua veracidade.

O mesmo se aplica à ideia de deus: trata-se somente de uma hipótese sem comprovação; uma especulação, realmente. Só precisamos trocar a afirmação “há seres vivos no centro do Sol” por “Deus criou o mundo” ou “Deus existe”. Não existem razões para julgarmos que a hipótese divina deveria fugir à regra. Pelo mesmo motivo que as pessoas não acham sensato acreditar que estamos sendo vigiados por cogumelos imateriais, os ateus acham sensato não acreditar na hipótese da existência de um deus criador.

Devemos notar, entretanto, que isso não implica de modo algum a impossibilidade da existência de cogumelos imateriais ou de deuses. De fato, nenhuma das hipóteses apresentadas acima é impossível. Simplesmente não acreditamos nelas porque não temos motivos para julgar que são verdadeiras. Como vemos, não há qualquer traço de extremismo em tal raciocínio, como poderia parecer à primeira vista.

Esse contra-argumento dos teístas — “prove-me que Deus não existe” —, que costuma ser aceito prontamente como válido pelos desavisados, é uma falácia argumentativa que recebe o nome de inversão do ônus da prova, na qual aquele que afirma a veracidade de uma proposição coloca sobre os incrédulos o dever de provar sua falsidade e, se estes forem incapazes de fazê-lo, imediatamente ficaria comprovada a veracidade da proposição. O engano, nota-se, é óbvio: como poderíamos fazer isso — provar a inexistência de tal deus — se, na realidade, nem mesmo existem provas de sua existência para refutarmos?

Na realidade, o dever de provar a veracidade recai sobre os ombros daquele que afirma algo. Se algum indivíduo diz “Deus existe”, fica sobre ele a responsabilidade de provar a veracidade de sua proposição, ou seja, provar a existência de Deus. Se falhar em prová-la, então não teremos motivos para aceitá-la e, assim, a descrença torna-se plenamente justificada.

Vemos, portanto, que ateus não têm o dever de provar coisa alguma, pois, no ato de descrer, não estão afirmando nada. Em geral, o que dizem é simplesmente o seguinte: Não acredito em deus porque não tenho motivos para fazê-lo; caso tivesse algum motivo, acreditaria; mas não encontrei nenhum. Ante a ausência de evidências, ser ateu não passa de uma simples questão de honestidade intelectual. Bertrand Russell resumiu muito bem o conceito fundamental nesta passagem:

Muitos indivíduos ortodoxos dão a entender que é papel dos céticos refutar os dogmas apresentados — em vez de os dogmáticos terem de prová-los. Essa ideia, obviamente, é um erro. De minha parte, poderia sugerir que entre a Terra e Marte há um pote de chá chinês girando em torno do Sol em uma órbita elíptica, e ninguém seria capaz de refutar minha asserção, tendo em vista que teria o cuidado de acrescentar que o pote de chá é pequeno demais para ser observado mesmo pelos nossos telescópios mais poderosos. Mas se afirmasse que, devido à minha asserção não poder ser refutada, seria uma presunção intolerável da razão humana duvidar dela, com razão pensariam que estou falando uma tolice. Entretanto, se a existência de tal pote de chá fosse afirmada em livros antigos, ensinada como a verdade sagrada todo domingo e instilada nas mentes das crianças na escola, a hesitação de crer em sua existência seria sinal de excentricidade.

Mas isso não é suficiente para fechar a questão. Há uma frase — a qual, aliás, é bastante famosa entre os ateus — que serve como um aviso para que mantenhamos nossa mente sempre aberta: ausência de evidência não é evidência de ausência. A simples falta de evidências não é suficiente para justificar a crença na inexistência, e a maioria dos ateus realmente não acredita de modo definitivo na inexistência divina.

Entretanto, não podemos ignorar o fato de que há certos ateus que acreditam na inexistência de deus(es). Como vimos, são os que pertencem à categoria do ateísmo crítico. Para justificar tal posicionamento, a ausência de evidência não é suficiente. Neste caso, torna-se necessário demonstrar a impossibilidade da existência divina. Deste modo, poderíamos dizer que esta posição é dogmática, pois é impossível provar definitivamente a inexistência de qualquer deus. Mas o pequeno detalhe que faz toda a diferença reside no fato de que não tentam provar a impossibilidade da existência de qualquer divindade, mas de uma divindade específica de tal ou tal religião.

O ateu crítico usa a própria crença do indivíduo teísta para fundamentar sua argumentação. Se alguém diz: “eu acredito em Deus”, o ateu crítico pergunta coisas como: “que é deus?”, “qual é a natureza desse deus?”, “quais são seus atributos?”. Por exemplo, estudando as definições do Deus bíblico, o ateu crítico poderia procurar contradições nos atributos dessa divindade e, usando a regra lógica da não-contradição — tudo aquilo que se contradiz é necessariamente falso —, usa essa informação para argumentar contra a existência de tal ser. Assim, do mesmo modo que a regra da não-contradição justifica a crença na inexistência de entes cujos atributos se excluem mutuamente — como cubos esféricos ou círculos hexagonais —, também justifica a crença na inexistência de um deus cujos atributos são contraditórios. Nesta situação, a crença encontra-se justificada de modo racional e lógico, não sendo possível, portanto, acusá-la de dogmatismo.

Em discussões do tipo Ateísmo versus Teísmo, percebe-se facilmente que a maioria das pessoas não entende o que é ateísmo. É por isso que grande parte dos argumentos usados contra ele é notável por sua absoluta irrelevância. Por exemplo, quando algum ateu assume abertamente sua posição, logo é coberto de argumentos verborrágicos e disparates de todo tipo. Alguns exemplos: “você quer ir para o inferno?”; “você é mais um daqueles que acredita que isso tudo surgiu do nada?”; “então explique a origem da vida e do Universo”; “é uma pena que você seja tão infeliz”.

Sem levar em consideração o primeiro exemplo e o último, pois sequer merecem uma resposta séria, devemos ter em mente que o fato de alguém ser ateu não diz nada, absolutamente nada sobre o que ele pensa a respeito de tais assuntos. Isso porque o ateísmo possui caráter negativo, e as negações são extremamente parcimoniosas no fornecimento de dados. Por exemplo, se alguém dissesse “eu não me chamo José”, que poderíamos inferir a partir disso além do fato de que seu nome é outro, que não José? Seria absurdo pensar que tal informação fornece qualquer pista significante sobre seu verdadeiro nome. É simplesmente incabível tentar deduzir a partir do fato de alguém ser ateu quais são seus pontos de vista filosóficos, morais ou científicos sobre quaisquer assuntos.

É claro que os religiosos costumam fazer esses tipos de pergunta porque a maioria dos ateus adota o posicionamento científico, que se baseia na experimentação e no racionalismo, mas não necessariamente. O indivíduo ateu pode possuir suas próprias teorias ou então, sem problema algum, pode se abster de responder essas questões, alegando que, na ausência de dados corroborativos para construir qualquer teoria razoavelmente verossímil, qualquer afirmação não passaria de um mero disparate.

Nesse último caso, a resposta típica às perguntas dessa natureza é simplesmente esta: não sei.

Como surgiu o Universo? Não sei.

Por que existimos? Não sei.

Deus existe? Não sei. Afirmo apenas que nasci neste mundo e que sou ignorante quanto a todos esses fatos. Nossa existência parece um grande mistério insondável. Portanto, de nada adianta dizer “foi Deus” se, na realidade, não tenho motivos para acreditar nisso. Prefiro admitir meu desconhecimento a abraçar uma hipótese infundada para tentar mascarar minha ignorância ante este grande ponto de interrogação que é o mundo em que vivo.

A integridade intelectual impede que pontos de interrogação sejam utilizados como argumentos em favor de hipóteses confortantes como a da existência de um deus. O fato de não sabermos de onde viemos, como surgiu a vida ou qualquer outra coisa, não significa em absoluto que “foi Deus”. Não sabermos de onde tudo isso surgiu significa apenas que não sabemos de onde tudo isso surgiu — e tão-somente; nem mesmo significa que surgiu. A ignorância não é um argumento, e a tentativa de usá-la como um argumento somente revela uma grande e lamentável parcialidade, que muito provavelmente deriva-se da necessidade de crer.

Esse deus que só habita os recônditos de nossa ignorância é tipicamente alcunhado “Deus das lacunas”, pois só sobrevive por entre as sombras do desconhecido. É devido a esse subterfúgio explicativo que, outrora, devido à ignorância, os fenômenos naturais — como trovões e relâmpagos — eram interpretados como manifestações de um deus descontente com os humanos. É claro que, naquela época, essa parecia uma explicação tão plausível e respeitável para os fenômenos naturais quanto, atualmente, dizer que o Universo foi criado por um deus, pois ambas as coisas eram igualmente desconhecidas. Mas, nos dias de hoje, a ciência já lançou luz — a maior inimiga do Deus das lacunas — sobre os processos responsáveis pelos trovões e pelos relâmpagos, tornando ridícula a afirmação de que se devem à manifestação de um deus enfurecido com os humanos.

Hipócrates, nascido por volta de 460 a.C., considerado um dos pais da medicina, em sua época já compreendia a tendência humana de mistificar aquilo que lhe é desconhecido; ele disse o seguinte: os homens pensam que a epilepsia é divina meramente porque não a compreendem. Se eles denominassem divina qualquer coisa que não compreendem, não haveria fim para as coisas divinas. 

Sejamos honestos quanto a nós mesmos: somos seres complexos, capazes de empreendimentos notáveis, mas também limitados, e não temos todas as respostas ao nosso alcance, pelo menos não atualmente. Portanto, quem não quiser se enganar através de fábulas explicativas e consoladoras, precisa aprender a conviver com tais limitações, pois a atitude de responder uma pergunta se valendo de um mistério, na realidade, não explica coisa alguma. Isso, naturalmente, não significa fechar-se totalmente para outros pontos de vista. Em nosso conhecimento, há — e deve haver — lugar para a dúvida, para a incerteza, pois deste modo nosso conhecimento não ficará cristalizado na forma de crenças impermeáveis às novas evidências que vierem a ser descobertas e às novas teorias que vierem a ser formuladas. Se não aceitarmos que nossa visão de mundo é provisória, que sempre estará sujeita a revisões, ela se tornará obsoleta rapidamente. Então devemos conceder à hipótese da existência de um deus alguma plausibilidade? Certamente: a mesma que concederíamos a uma especulação bastante improvável que, há milênios, está à espera de evidências que a comprovem.

Vale a pena fazermos, aqui, um breve comentário sobre a posição denominada agnosticismo. Equivocadamente, costuma-se pensar que esta jaz no limiar da dúvida entre o teísmo e o ateísmo; na verdade, o agnosticismo é independente da questão da crença/descrença em um deus. Tal visão diz respeito somente à impossibilidade de a mente humana conceber, compreender ou julgar alguns tipos de questões, afirmando que tais assuntos estão além do escopo da racionalidade humana, sendo, portanto, impossível formular sobre eles qualquer juízo seguro.

É errado pensar no agnóstico como um indivíduo meio termo entre as duas perspectivas, ou seja, que não afirma nem nega a existência de uma entidade superior, supostamente representando uma posição de questionamento sensato em vez de um extremismo ateísta. O agnosticismo certamente não é uma terceira opção entre o teísmo e o ateísmo, e é fácil evidenciar o porquê. O agnosticismo envolve a crença em deus? Não. Envolve a descrença em deus? Não. Então que relação necessária tem com esta questão? Nenhuma. Como explicou George H. Smith, O termo “agnóstico”, em si mesmo, não indica se alguém acredita ou não num deus (…) agnosticismo não é uma posição independente ou um meio termo entre teísmo e ateísmo, pois classifica de acordo com um critério diferente. 

A rigor, a palavra agnóstico significa apenas sem conhecimento, isto é, trata-se de um termo genérico que diz respeito somente à afirmação da impossibilidade de se obter conhecimento acerca de alguma coisa ou assunto qualquer. Então seria mais correto dizer algo como: este indivíduo — ateu ou teísta — é agnóstico em relação à questão da existência de deus ou de alguma “questão x” qualquer.

Portanto, como podemos perceber, não existe um meio termo entre acreditar e não acreditar, ou seja, entre teísmo e ateísmo. Afirmar “acho impossível saber com certeza” não é uma solução, mas uma evasiva. O que comporta um meio termo, na verdade, é a lacuna que fica entre a negação e a afirmação de deus, e tal lacuna corresponde ao ateísmo cético.

Como se pode notar, essa noção de agnosticismo é uma posição errônea comumente adotada por aqueles que não são teístas, mas que na verdade não consideram a existência de deus uma hipótese absurdamente improvável, como alguns ateístas mais fervorosos. Mas, sem dúvida, os agnósticos desse tipo são, tecnicamente, ateus. Provavelmente muitos se denominam como tal porque têm receio do estigma social vinculado ao ateísmo, que é muito forte; então transferem o significado de suas posições a outros termos que soam mais brandos, como agnóstico — como convém, pois em cima do muro não caem tantas pedras.

Voltando ao assunto principal, é sempre comum vermos, devido a todos os mitos que existem sobre o ateísmo, indivíduos imaginando e se perguntando como os ateus são. Talvez pensem que são criaturas exóticas raríssimas que vivem num submundo oculto, se vestem de preto e advogam pela destruição de todas as religiões, mas isso não passa de fantasia. Em sua maioria, ateus são pessoas realmente comuns, que apenas baseiam na lógica e nas evidências suas opiniões sobre a realidade. O fato é que, provavelmente, todas as pessoas já se depararam com ateus casualmente, mas sem se aperceberem disso, daí acharem que são tão raros. Na realidade, se não perguntarmos diretamente aos indivíduos, é quase impossível descobrir se são ateus. São poucos aqueles que gritam aos quatro ventos que não acreditam em nenhum deus.

Sem dúvida, também há os ateus exacerbados, tipicamente denominados ateus militantes, alguns dos quais mantêm uma postura hostil para com a religião. Alguns julgam que ela é uma grande travanca ao progresso da humanidade, principalmente aqueles que têm algum conhecimento de História. Mas isso, como vimos, não pode ser encarado como uma consequência direta do ateísmo, pois não existe uma Santa Escritura ateísta que dita “tu vilipendiarás a religião e escarnecerás a crença do teu próximo”. Se algum ateu procede de tal maneira, trata-se apenas de um posicionamento individual, e querer imputar a causa de seu comportamento agressivo ao ateísmo é uma atitude errada e desonesta.

Muitos também pensam que os ateus são irredutíveis em sua descrença, que são descrentes crônicos, incapazes de mudar seu ponto de vista. Se podemos dizer que os ateus são irredutíveis, o são apenas na atitude de não acreditar em hipóteses sem comprovação. Certamente, se algum teísta surgisse com uma prova realmente válida para a existência de deus, até os ateus mais ferrenhos teriam de dar o braço a torcer; não há motivos para se pensar o contrário. Afinal, por que algum indivíduo se oporia à existência de um criador? Quem não gostaria de ser a coroa da criação? Quem escolheria ser um efêmero mamífero, um grão de pó pensante, se pudesse ser o imortal supra-sumo do Universo? Para citar Peter Atkins:

Seria de fato fascinante se o Universo tivesse um propósito; seria provavelmente prazeroso haver vida após a morte. Porém, não há um só pedacinho de evidência em favor de nenhuma das duas especulações. Como é fácil de compreender por que as pessoas anseiam por um propósito cósmico e vida eterna, e não existe evidência para ambos, me parece uma conclusão inescapável que nenhum dos dois existe.

Realmente seria ótimo se todos nós fôssemos tão especiais quanto gostaríamos de ser, mas o fato é que não temos motivos para acreditar que somos. Novamente, é a integridade intelectual que nos impede de acreditar em algo infundado somente porque é confortante.

Pelo exposto acima, percebemos que o ateísmo, ao contrário da imagem que se pinta dele, não é representado por uma seita de iconoclastas fanáticos, imorais e desequilibrados querendo destruir a religião a todo custo. Sem dúvida, o ateísmo apresenta-se como uma posição totalmente razoável, lúcida e sensata quando encarada na perspectiva objetiva; isto é, sem se levar em conta fatores subjetivos, como o modo que “gostaríamos que a realidade fosse”, “no que precisamos acreditar para viver” etc. Como foi salientado no início deste trabalho, o que os indivíduos livres-pensadores buscam não são certezas absolutas: buscam aquilo que é mais provável de ser verdadeiro.

O objetivo deste capítulo foi desfazer alguns dos principais mitos, preconceitos e calúnias que gravitam ao redor do ateísmo, para que assim sejamos capazes de enxergar a posição de modo cristalino. Naturalmente, fica claro quanto esforço é feito da parte dos teístas no sentido de deturpar o verdadeiro significado dessa descrença. Em vez de enfrentar as verdadeiras questões, criam espantalhos do que seria o ateísmo e, destruindo-os, ufanam-se de tê-lo refutado, quando na realidade tal refutação não passa de um mal-entendido.

Contudo, não pensemos que são todos tão ingênuos e inocentes: caluniam porque não podem enfrentar; evadem porque não podem responder. O fato é que o teísmo sempre terminou como perdedor em todas as vezes em que tentou enfrentar os fatos e a racionalidade, e simplesmente desmoronaria se tentasse, honestamente, se confrontar cara a cara com todas as questões que o ateísmo apresenta.

Deste modo, se há uma questão que realmente incorpora todo o peso do verdadeiro desafio que o ateísmo lança contra as religiões, é esta: que motivos temos para acreditar na existência de um deus?