Volta e meia, leitores me questionam sobre o que lhes parece ser o exagerado — ou pouco razoável — ceticismo do cientista.
As abordagens variam. Algumas vezes, acham inconsistente
um cientista se dizer ateu quando não pode responder a certas questões
básicas, como, por exemplo, a origem do Universo ou da vida. Dizem eles:
“Vocês falam do Big Bang, o evento que iniciou tudo. Mas de onde veio a
energia que provocou esse evento? Como falar de algo material surgindo
do nada, sem a ação de um ser imaterial, isto é, divino?”
Outras
críticas dizem respeito à descrença em fenômenos paranormais,
sobrenaturais, OVNIs e seres extraterrestres, espiritismo etc.
Segundo estatísticas recentes feitas pela Fundação Gallup
nos Estados Unidos, em torno de 50% dos americanos acreditam em
percepção extra-sensorial. Mais de 40% acreditam em possessões
demoníacas e casas mal-assombradas, e em torno de 30% creem em
clarividência, fantasmas e astrologia. Não conheço estatísticas
semelhantes para o Brasil, mas imagino que os números devam ser no
mínimo comparáveis.
Sem a menor dúvida, a luta do cético é ingrata; ele estará
sempre em minoria. Existem muito mais colunas sobre astrologia do que
sobre astronomia ou ciência nos jornais e revistas do Brasil e do mundo.
Mas, sem ceticismo, a sociedade estaria fadada a ser controlada por
indivíduos oportunistas que se alimentam dessa necessidade muito humana
de acreditar.
Ela existe para todos não há dúvidas. Mesmo o cético deve
acreditar no poder da razão para desvendar os muitos mistérios que
existem. A paixão que o alimenta é a mesma do crente, mas direcionada em
sentido oposto.
Devido a esse ceticismo, muitas vezes os cientistas
(incluindo este que lhes escreve) são acusados de insensibilidade. De
jeito nenhum. Eu tenho grande respeito pelos que acreditam. O que me é
difícil aceitar é a exploração que existe em torno dessa necessidade, a
exploração da fé.
Na Índia, por exemplo, recentemente apareceram milhares de
“homens-deuses”, que se dizem meio deuses, meio gente. No México,
funcionários do governo frequentam seminários sobre como usar o poder
dos anjos. O Peru está cheio de psíquicos, enquanto na França são
aromaterapeutas. Testes em laboratório visando verificar poderes
extra-sensoriais invariavelmente falham.
O famoso paranormal israelense Uri Geller, que dobrou
garfos na frente de milhões nos anos 70, foi desmascarado como
fraudulento. O meu orientador de doutorado na Inglaterra, impressionado
com Geller e outros médiuns, montou um laboratório para testar seus
poderes. Ele o fez com ótimas intenções, para explorar a origem desses
poderes de modo a divulgá-las para o resto da humanidade. Mas falharam
todos.
Voltando à questão do Big Bang. A religião não deve existir
para tapar os buracos da nossa ignorância. Isso a desmoraliza. É
verdade, não podemos ainda explicar de forma satisfatória a origem do
Universo. Existem inúmeras hipóteses, mas nenhuma muito convincente.
Mesmo se tivéssemos uma explicação científica, sobraria uma
outra questão: o que determinou o conjunto das leis físicas que regem
este Universo? Por que não um outro? Existe aqui uma confusão sobre qual
é a missão da ciência. Ela não se propõe a responder a todas as
questões que afligem o ser humano.
A ciência, ou melhor, a descrição científica da natureza, é
uma linguagem criada pelos homens (e mulheres) para interpretar o cosmo
em que vivemos. Ela não é absoluta, mas está sempre em transição,
gradativamente aprimorada pela validação empírica obtida através de
observações. A ciência é um processo de descoberta, cuja língua é
universal e, ao menos em princípio, profundamente democrática: qualquer
pessoa, com qualquer crença religiosa ou afiliação política, de
diferentes classes sociais e culturas pode participar desse debate.
(Claro, na prática a situação é mais complexa.)
Ela não terá jamais todas as respostas, pois nem sabemos
todas as perguntas. O cético prefere viver com a dúvida do que aceitar
respostas que não podem ser comprovadas, que são aceitas apenas pela fé.
Para ele, o não-saber não gera insegurança, mas sim mais apetite pelo
saber. Essa talvez seja a lição mais importante da ciência, nos ensinar a
viver com a dúvida, a idolatrá-la. Pois, sem ela, o conhecimento não
avança.
Sobre o autor: Marcelo Gleiser é professor de física teórica do Darthmouth College, em Hanover (Estados Unidos), e autor do livro O Fim da Terra e do Céu.
Prefiro a dúvida dos sábios que a certeza dos ignorantes.
ResponderExcluirAliás, ignorante é quem ignora, ignora as possibilidades.